A Inteligência Artificial (IA) não é mais uma promessa futurista para a área jurídica. De grandes bancas de advocacia a tribunais superiores, a IA está integrada ao cotidiano, transformando radicalmente como advogados trabalham, como a pesquisa jurídica é conduzida e como a justiça é entregue no Brasil.
Prepare-se para entender algumas das aplicações práticas que já estão otimizando processos, aumentando a precisão e liberando profissionais para focar no cerne da estratégia legal.
Onde a IA já atua: Aplicações essenciais no mercado jurídico
A integração da inteligência artificial na área jurídica permite que advogados, consultores e o próprio Judiciário encontrem formas de agilizar tarefas repetitivas e qualificar pesquisas complexas.
Uma das aplicações mais essenciais é a automação de processos documentais. A automação de documentos com IA utiliza Machine Learning e Processamento de Linguagem Natural (PLN) para classificar, extrair dados e analisar informações contidas em milhões de documentos em minutos.
Essa automação permite que o profissional jurídico dedique seu tempo a atividades de alto valor estratégico: desenvolver teses complexas, negociar, prestar consultoria de alto nível e interagir diretamente com o cliente.
🏛️ O Case Brasileiro: Projeto Victor (STF) e a Vanguarda no Judiciário
O exemplo mais emblemático de aplicação de IA no Judiciário brasileiro é o Projeto Victor. Batizada de VICTOR, a ferramenta de inteligência artificial é resultado de uma iniciativa do Supremo Tribunal Federal (STF), fruto de uma parceria com a Universidade de Brasília (UnB). Ele representa o maior e mais complexo projeto de IA de uma corte superior nacional, sendo uma referência no cenário internacional.
Na fase inicial, o VICTOR lê todos os recursos extraordinários que sobem para o STF e identifica quais estão vinculados a determinados temas de repercussão geral. É importante ressaltar que o Victor atua como um indicativo, ou seja, ele não decide os recursos. Seu trabalho é sempre validado ou confirmado durante a efetiva apreciação do caso concreto pelos Ministros.
A Evolução Pós-Victor: Um Ecossistema Nacional de IAs
Embora o Victor seja o projeto mais conhecido e pioneiro em uma Corte Superior, a inovação no Judiciário brasileiro não parou por aí. Desde 2018, a tecnologia de IA evoluiu drasticamente, e o país conta hoje com um vasto ecossistema de soluções mais recentes. O Conselho Nacional de Justiça (CNJ), por meio do programa Justiça 4.0, mapeia mais de 100 projetos de IA ativos nos tribunais estaduais e federais. Essas IAs mais modernas, como a VitórIA (também do STF), o Berna (TJGO), o Gaia (TJGO), o Radar (TJMG) ou o Hórus (TJDFT), focam em:
- Classificação e triagem avançada de processos.
- Minutas de despachos e decisões (com supervisão humana).
- Identificação e gestão de processos de massa.
Assim, o Victor é o marco inicial de um movimento que hoje se espalha por todo o país com tecnologias cada vez mais especializadas e diversas.
🔎 Pesquisa 10x Mais Rápida: Contexto e precisão com PLN
A pesquisa jurídica, historicamente uma tarefa laboriosa, é completamente transformada pela IA. As ferramentas inteligentes conseguem compreender o contexto e a intenção por trás de uma pergunta, e não apenas palavras-chave, permitindo que advogados encontrem precedentes relevantes e a legislação aplicável com muito mais eficiência e agilidade.
- Aplicações Avançadas: Estudos demonstram que o modelo BERT (Bidirectional Encoder Representations from Transformers), com ajuste fino a partir de trechos de leis brasileiras, foi altamente eficaz, atingindo 94% de precisão na classificação automática de normas, provando a capacidade da IA de processar a complexa linguagem jurídica (JESUS et al., 2023).
⚖️ Ética e Regras Claras: O CNJ e a governança da IA no Brasil
O Brasil avançou significativamente na regulamentação da IA no Judiciário. A Resolução CNJ nº 615, de 11 de março de 2025, estabelece diretrizes cruciais para o uso responsável de soluções de Inteligência Artificial no Poder Judiciário.
A norma promove a:
- Transparência e Explicabilidade dos algoritmos.
- Proteção de Dados e o respeito à Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD).
- Vedação de sistemas que não permitam a revisão humana dos resultados propostos, garantindo que a tecnologia não substitua o julgamento do magistrado.
A medida reforça que o uso da tecnologia deve sempre respeitar os direitos fundamentais e a não-discriminação.
⚠️ Os Riscos Reais: Viés, LGPD e o desafio da confiabilidade
Apesar dos benefícios evidentes, há questões importantes a considerar. A confiabilidade dos sistemas é uma preocupação central, pois algoritmos podem apresentar vieses (tendenciosidades) e erros na interpretação das normas jurídicas, muitas vezes espelhando preconceitos presentes nos dados de treinamento.
Desafios Críticos:
- Responsabilidade Civil e Jurídica: Uma das questões mais críticas é: De quem é a responsabilidade quando um algoritmo erra ou gera um resultado juridicamente falho? O ordenamento jurídico ainda precisa evoluir para definir claramente a responsabilidade civil por decisões automatizadas.
- Segurança de Dados: A manipulação de dados sensíveis em processos judiciais é uma questão crítica. O uso inadequado da IA pode violar normas de privacidade, como a LGPD, exigindo protocolos de segurança rigorosos.
🧠 A Centralidade Humana: IA como Ferramenta, não como substituto
O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) defende que, apesar da automatização proporcionada pelas tecnologias, a supervisão humana permanece fundamental em todas as etapas do processo judicial. Juízes e profissionais do Direito mantêm a prerrogativa de revisão e controle das decisões geradas pelas ferramentas de inteligência artificial.
A subjetividade e a sensibilidade exigidas por julgamentos humanos jamais podem ser substituídas por códigos. A necessidade é utilizar a Inteligência Artificial como uma ferramenta adicional, de modo que o ordenamento jurídico brasileiro precisa evoluir alinhado aos valores do Estado Democrático de Direito, garantindo um desenvolvimento ético, seguro e justo da tecnologia.
📈 O Próximo Nível da Advocacia: Quem abraçar a IA estará à frente
A tendência é clara: profissionais do direito que abraçarem a IA estarão em vantagem competitiva. Não se trata de a IA substituir advogados e juízes, mas sim de oferecer ferramentas que aumentem a eficiência, a precisão e a qualidade da análise jurídica.
O futuro exige que o profissional não seja apenas um especialista em leis, mas também um gestor de tecnologia capaz de aplicar essas ferramentas para resolver problemas de forma mais rápida e eficaz.
🎯 Conclusão: O Futuro é Híbrido
A inteligência artificial no Direito não é uma ameaça, mas a maior oportunidade de otimização que a área já viu. Ela liberta profissionais de tarefas repetitivas, melhora a qualidade da análise jurídica e torna os serviços legais mais eficientes.
O desafio agora é navegar essa transição com responsabilidade, garantindo que a ética, a privacidade, a transparência e, sobretudo, a supervisão humana, permaneçam como pilares fundamentais. O futuro do Direito será, indiscutivelmente, híbrido: uma combinação poderosa da inteligência humana com as capacidades da inteligência artificial. Profissionais que dominarem essa sinergia estarão à frente, prontos para a Justiça 4.0.
Referências
- COELHO, Alexandre Zavaglia; BARBOSA, Maria Juliana do P. (Coord.). Inteligência Artificial aplicada aos serviços jurídicos: casos práticos de uso nos escritórios de advocacia, departamento jurídico e no Poder Público. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2024. Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/doutrina/secao/introducao-inteligencia-artificial-na-advocacia-geral-da-uniao-experiencias-e-perspectivas-inteligencia-artificial-aplicada-aos-servicos-juridicos-ed-2024/3082281648#a-num1-num2-num0-2-DTR_2024_9939
- CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA (Brasil). Resolução nº 615, de 11 de março de 2025. Estabelece diretrizes para o desenvolvimento, utilização e governança de soluções desenvolvidas com recursos de inteligência artificial no Poder Judiciário. Disponível em: https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/6001
- DE SOUZA, Barbara Lucia Tiradentes; PONTES, Elisangela Veiga; VAZ, Thalles Jarehd Tiradentes. Inteligência Artificial e o Direito: Inovações, Riscos e Desafios para o Ordenamento Jurídico Brasileiro. Revista Jurídica Gralha Azul – TJPR, v. 1, n. 28, 2025. Disponível em: https://revista.tjpr.jus.br/gralhaazul/article/download/190/143/517
- Docusign. Inteligência artificial no Direito: quais as vantagens e aplicações? Disponível em: https://www.docusign.com/pt-br/blog/inteligencia-artificial-direito.
- Galícia Educação. Inteligência artificial no Direito: Desafios e Oportunidades. Disponível em: https://www.galiciaeducacao.com.br/blog/inteligencia-artificial-no-direito-desafios-oportunidades/
- JESUS, Mauricio Barros de et al. Inteligência Artificial no processamento de linguagem jurídica: aplicação de Deep Learning para definição do marco regulatório do Terceiro Setor. Revista do Serviço Público (RSP), Brasília, v. 74, n. 2, p. 439–461, abr/jun 2023. Disponível em: https://revista.enap.gov.br/index.php/RSP/article/view/8091
- RIOS, Edilayne Martins Rios. CÓDIGO E JUSTIÇA: IA Generativa no gabinete de magistrado. 2025. Disponível em: https://www.amazon.com/C%C3%93DIGO-JUSTI%C3%87A-Generativa-magistrado-Portuguese-ebook/dp/B0F384FSPG
- SAID, Maia Filho Mamede; AGUIAR, Tainá Junquilho. Projeto Victor: perspectivas de aplicação da inteligência artificial ao direito. Revista de Direitos e Garantias Fundamentais, vol. 19, nº. 3, 2018. Disponível em: https://sisbib.emnuvens.com.br/direitosegarantias/article/view/1587
- Supremo Tribunal Federal. Inteligência artificial vai agilizar a tramitação de processos no STF. Disponível em: https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=380038
- Supremo Tribunal Federal. Projeto Victor avança em pesquisa e desenvolvimento para identificação dos temas de repercussão geral. Disponível em: https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=471331